« Retratos são mentirosos. Portanto, de agrado público. Não há quem não se engane em poses e artifícios na certeza que a imagem – revelada e fixada pelos séculos, amém – nada mostrará da alma. Nem de pensamentos íntimos. Ou segredos, atitudes. Vício desabonador capaz de estragar a pose, transformá-la em nódoa. Diante do retratista, todo mundo se alvoroça. Capricha na vestimenta, incrementa os acessórios, arma o sorriso honesto de quem, nunca, nesta vida, chafurdou no pecado. Pelas graças do bom Deus, um retrato absolve, só registra a aparência. Inventasse o retratista um medonho equipamento capaz de imiscuir-se no avesso das pessoas, ninguém, tão alegremente, exporia seus fracassos. »
Ângela Dutra de Menezes
O avesso do retrato, 1999
Erving Goffman no célebre texto “A apresentação do eu na vida de todos os dias”, aborda o comportamento humano em situações sociais a
partir da metáfora da teatralização da vida, conferindo ao indivíduo dois
papéis fundamentais: como ator, fabricante de impressões, envolvido na tarefa
de encenar uma representação; e como personagem, uma figura representada que tem
como finalidade evocar admiração pelas suas qualidades.
As representações do eu configuram-se como uma mise en scène, na qual a partir de uma gama de ações, expressões,
símbolos verbais e visuais o indivíduo disponibiliza informações sobre si,
causando certa impressão – ainda que não plenamente correspondente com a “realidade”.
Esta
metáfora de Goffman aplica-se também ao ato fotográfico de fazer-se imagem. O retrato fotográfico é uma
representação de si. Deixar-se fotografar é dar-se a ver, é encenar para os
olhos do outro, com mais ou menos espontaneidade.
Dirigir-se diante da câmera e deixar-se fotografar conscientemente – decidindo pose, expressão facial, vestimenta, ambientação – é encenar, é representar a si mesmo, posicionando-se para que a imagem passe a ideia de quem se é, ou de quem se quer parecer ser: “Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem” (Barthes, 1984). E nesta imagem, o que queremos é (quase sempre) mostrar a melhor máscara social, a mais prestigiosa e admirável.
Dirigir-se diante da câmera e deixar-se fotografar conscientemente – decidindo pose, expressão facial, vestimenta, ambientação – é encenar, é representar a si mesmo, posicionando-se para que a imagem passe a ideia de quem se é, ou de quem se quer parecer ser: “Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem” (Barthes, 1984). E nesta imagem, o que queremos é (quase sempre) mostrar a melhor máscara social, a mais prestigiosa e admirável.
*Barthes, Roland (1984) A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
**Goffman, Erving (1993) A apresentação do eu na vida de todos os dias. Lisboa: Relógio D'água.
1 comentário:
Adorei a transcrição da Ângela Dutra de Menezes! De que livro é?
PS: feira da ladra com retratinhos do chiado...
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