Narciso, Caravaggio, 1594. Óleo sobre tela |
Jogo de olhares, a
fotografia encontra em Narciso e Medusa os seus mitos de origem, como bem
sugere Philippe Dubois.
Armada em riste como um
dedo indicador, a câmera fotográfica desafia e lança, num disparo, o olhar petrificante
da Medusa, que transforma em objeto o sujeito, e congela na representação a
expressão. Eis agora, no retrato fotográfico, o sujeito feito estátua, vazio de
si como uma sombra ou um reflexo.
Com o dispositivo-Medusa,
o desejo narcísico de representação consuma-se na afirmação de um duplo exterior.
No mito de Narciso, o seu reflexo o duplica e torna-se uma “imagem de si”, que
é também a imagem do corpo, “lugar de investimento da vaidade do sujeito e de
investimentos emocionais”[1]. Enquanto o reflexo de
Narciso remete a um duplo exterior do sujeito, o olhar de Medusa transforma o sujeito em
objeto de representação, tornando presente a sua ausência, agora como estátua.
Quantas vezes não nos fazemos
estátuas, colocando-nos espontaneamente diante deste dispositivo-Medusa para
construir o nosso duplo exterior? Já desde o daguerreótipo, o retrato é o gênero
de fotografia mais produzido. Aliás, desde as cavernas de Lascaux o homem demonstra
esta necessidade e desejo de representação, e vem aprimorando o seu jogo de sombras,
reflexos e olhares.
E é por ilustrar tão bem
este jogo, que não me parecia ser possível encontrar melhor metáfora para falar
sobre fotografia em geral, mas particularmente sobre retrato fotográfico e sobre (auto)representações. Por isso, o blogue chama-se
Narcisos e Medusas, mas por aqui também estarão outros mitos, referências, personagens e narrativas reais e ficcionais.
Medusa, Caravaggio, 1596. Pintura na madeira |
[1] Medeiros, Margarida (2000) Fotografia e
Narcisismo. Lisboa: Assírio & Alvim.
Dubois, Philippe (1993) O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas,
São Paulo: Papirus.
1 comentário:
Finalmente! Muitos parabéns por este começo, que vou seguir de perto...Valeu esperar, está tudo lindo!!!
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