No livro de Oscar Wilde, o jovem Dorian, atormentado pela realidade fatalmente perecível de sua juventude e beleza, sofre um tipo de encantamento narcisíco diante de seu retrato pintado em perfeição perene. O intenso desejo de trocar de lugar com o retrato, transferindo para a tela a degradação do seu corpo e trazendo para si a eternidade da representação, faz do retrato de Dorian Gray o mais mágico dos espelhos, e “já que lhe revelara o próprio corpo, revelaria também a própria alma”.
O desejo quase generalizado pela juventude e beleza criou uma espécie de “complexo de Dorian Gray” nas sociedades contemporâneas ocidentais. Porém, diferente do que acontece na obra de Wilde, nem mesmo aos retratos é permitido vacilar. A representação de si também deve ser asséptica, sem nenhum tipo de manchas. Por isso, diferente de Dorian Gray, não temos retrato algum para carregar as nossas vergonhas, e se tivéssemos certamente também não o ostentaríamos sobre móveis, nas paredes ou nos ecrãs, nós o esconderíamos como também fez o jovem Dorian. O compromisso com a perfeição nos faz esconder no quarto escuro, num lugar que se pretende inacessível, as rugosidades do corpo e da alma.
1 comentário:
very well dear!
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