Sally Illustration |
Naqueles
tempos, a minha avó ainda levava a primavera nos seus vestidos floridos e o verão no rouge do rosto. Mas a minha memória de criança só guardou
o inverno.
Sei, de ouvir falar, que ela era muito vívida. Sei também
que apesar da vida não lhe sorrir muito, ela sorria. Há quem diga que ela era uma
mulher de se admirar: tinha a resistência de um peixe que sobrevive mesmo
depois do rio secar, esperando chover novamente. Eu,
infelizmente, não me lembro do rio cheio e nem dela nele a nadar.
Não me lembro dela na cozinha fazendo cocada e nem do frigorífico vermelho. Também não
tenho no meu nariz o cheiro do talco que ela passava no corpo e nem do pó de
arroz.
Agora
que ela se foi, o meu lamento é de vida. Uma vida que gemia desde 1982. O que ficou
na minha memória, à contraluz, foi a imagem da minha avó com uma menina agarrada à mão sumindo no fim da rua, e de um rio que fez
curva tentando reter a água durante 30 anos.
*Em memória da minha avó.
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