29 de janeiro de 2012

o museu do século XXII: desmaterializando a matéria

Não sei se sou otimista em pensar que este mundo chegará lá, mas estive a imaginar como serão os museus do século XXII, e como será o trabalho dos investigadores que se interessarem pela arte e pela cultura visual do século XXI.
Não me refiro ao espaço dos museus especificamente (hoje já é possível fazer visitas virtuais a vários museus do mundo sem sair da frente do computador), mas aos arquivos e acervos.
Cada tempo e sociedade têm a sua arte e a sua forma de expressão que surgem de acordo com o que os modos de produção e as tecnologias existentes possibilitam. Desde a década de 1950, os modos de expressão artística vem se tornando cada vez mais efêmeros. Os happenings são um exemplo disso. A obra de arte desaparece no momento em que a performance acaba, o que ficam são os registros visuais em vídeo ou fotografia, hoje feitos em suporte digital.
De todo modo, há uma tendência para a desmaterialização não só da arte, mas da imagem em geral, o que não se configura propriamente como um problema, a questão é só que às vezes um arquivo digital pode ser tão ou mais frágil do que um suporte em papel, por exemplo. 
Então, como criar uma economia da imagem que seja capaz de sobreviver à era do efêmero? Como seria uma futura arquelogia da imagem fotográfica? No século XXII, o que encontrarão os investigadores sobre os nossos dias? Como saberão como eram os nossos ritos de passagem, as nossas férias, o nosso cotidiano, a nossa moda, as nossas ruas? O que faremos com os nossos arquivos digitais? 


15 de janeiro de 2012

O sr. Madruga é fotógrafo à la minuta

Escrevendo sobre a fotografia à la minuta, lembrei-me de um episódio de "El Chavo del 8" em que o senhor Madruga, o Don Ramon, trabalha como fotógrafo. Que boa lembrança!



14 de janeiro de 2012

A caixa mágica

Fotógrafo à la minuta em Ponte de Lima

Fotógrafo à la minuta | Lambe-lambe
As inovações técnicas da fotografia, logo no alvorecer da segunda década do século XX, marcam um importante período de expansão da produção de retratos: o momento em que os retratistas saem dos estúdios e ganham as ruas. 
Com o surgimento de câmeras de manuseio cada vez mais simples, o ofício de fotógrafo ganhou novos adeptos, muitos sem grande qualificação profissional, pessoas que se aperfeiçoaram e se afeiçoaram à fotografia e dedicaram a esta prática uma vida inteira.
Entre as décadas de 1920 e 1960, a figura do fotógrafo à la minuta tornou-se habitué nos jardins, parques e feiras urbanas. Com a câmera-laboratório em uma mão e um balde em outra, estes profissionais ambulantes percorriam as cidades montando improvisados palcos ao ar livre para fazer a mágica fotográfica de eternizar  traços e sentimentos que o tempo e a vida se encarregariam de mudar.
Após dirigir a pose dos retratados (que posavam por vezes tendo como pano de fundo um cenário pintado, por influência dos retratos de estúdio), o retratista soltava a celébre frase  “Olha o passarinho!” e depois encarregava-se de revelar e ampliar o retrato. Tudo era feito rapidamente, ali diante dos olhos dos clientes. Através de um pano preto, as mãos dos fotógrafos adentravam a uma "misteriosa" caixa para realizar o ritual secreto de transformar pessoas em imagens em apenas 15 minutos. Em algumas regiões era necessário licença profissional para fixar-se em certos pontos da cidade, mas muitos profissionais preferiam se deslocar, carregando o seu ofício nas costas.
A itinerância do fotógrafo à la minuta é uma herança dos ferrotipistas de meados do século XIX, que se utilizavam de uma técnica fotográfica que possibilitava a produção de retratos em laboratórios ambulantes, a partir do uso de colódio húmido sobre placas de metal. Com um arsenal técnico já mais aprimorado e relativamente simples, o fotógrafo à la minuta fez de uma caixa de madeira produzida artesanalmente a sua câmera-laboratório. Esta caixa,  munida de uma câmera fotográfica, tem em seu interior dois recipientes, de um lado o fixador, de outro o revelador, e na lateral um suporte com o papel fotográfico. Por debaixo dos panos, o fotógrafo mergulha aqui e ali a fotografia, que depois será lavada com a água que leva no balde. É assim que em poucos minutos o cliente tem o seu retrato.
A fotografia à la minuta trouxe os procedimentos inagurais da instantaneidade fotográfica, que teve posterior apogeu com os autômatos, como a Polaroid e Photomaton, máquinas que deflagraram a extinção do retratista à la minuta. Hoje, quase todos estes fotógrafos abandonaram os seus postos nos jardins e parques e não deixaram herdeiros. Os dispositivos fotográficos digitais e a fotografia amadora tomaram de vez o lugar dos fotógrafos à la minuta. São poucos os que ainda fazem parte da paisagem urbana com as suas caixas mágicas e os seus cavalinhos. Na região do Minho, em Portugal, os mais nostálgicos ainda podem ter o seu retrato feito à la minuta no Bom Jesus, no Sameiro e nas proximidades do chafariz perto da ponte em Ponte de Lima.
No Brasil, o fotógrafo à la minuta recebeu a alcunha de lambe-lambe e acabou por desempenhar uma função um pouco diferente, pois ocupou-se, sobretudo, da produção de retratos de identificação. O lambe-lambe foi uma figura muito popular até a década de 1990, e hoje ainda é possível ver um ou outro herói da resistência. A origem do nome lambe-lambe é controversa, diz-se que surgiu do hábito que os fotógrafos tinham de lamber ou marcar com a ponta do indicador ou polegar molhados de saliva a chapa, película ou papel sensível para identificar de qual lado estava a emulsão. Há outra explicação que remete à prática fotográfica da ferrotipia, pois era comum os ferrotipistas lamberem as chapas após a revelação com sulfato de ferro, fazendo a imagem aparecer pela ação do cloreto de sódio da saliva. Tal hábito teria ressurgido entre os então fotógrafos lambe-lambe.    
Se em Portugal, o fotógrafo à la minuta até as décadas de 1950 e 60 disponibilizava cenários pintados em painéis e o imprescindível cavalinho para as crianças, no Brasil o lambe-lambe fornecia a gravata e o terno (fato), endireitava as cabeças e contia os sorrisos para atender às normas de identificação dos documentos oficiais. O que inicialmente era apenas um painel branco diante da câmera-laboratório, logo tornou-se uma cabine onde os retratados entravam, olhavam-se num pequeno espelho, arranjavam o cabelo com um pente ali disponível, vestiam o terno e colocavam-se em posição para a foto. Por vezes, vinha o fotógrafo endireitar-lhes a cabeça, depois sem dizer uma palavra e sem passarinho soltava o clique. Minutos depois, o 3x4 (o retrato tipo-passe do Brasil), estava pronto.
Havia sim o lambe-lambe que atuava mais aos moldes do fotógrafo à la minuta, mas o tipo de lambe-lambe quase maquinal foi o que prevaleceu no Brasil. Tanto que estas cabines foram os nossos Photomatons – isso talvez explique porque este autômato teve pouca expressão no país.
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, o ofício de lambe-lambe foi reconhecido como bem cultural imaterial. Com isto, pretende-se salvaguardar do esquecimento esta profissão que durante décadas construiu a história visual de pessoas e cidades.

Olha o passarinho!
A frase “Olha o passarinho!” faz parte da história da fotografia e da história de retratistas e alguns retratados. Sim, sou dos tempos do “Olha o passarinho!”. Já hoje o que é que se diz? Acho que com tantos cliques que fazemos já não há tempo para passarinho nenhum. O fato é que fiquei curiosa por saber o porque desta frase, e então com uma breve pesquisa descobri que tem a sua origem nos primeiros tempos da fotografia, ainda quando o tempo de exposição era longo e era preciso prender a atenção dos retratados, sobretudo das crianças. E era assim que  os fotógrafos colocavam uma gaiola com um pássaro ao lado ou acima da câmera. Ainda hoje é comum ouvirmos a frase no momento do click. E daí  vem também a explicação para a presença dos passarinhos artificiais "pousados" nas caixas dos fotógrafos à la minuta.


Referências:
Borges, José (2004) Fotógrafos à la minuta. Lisboa: Livros Horizonte.
Kossoy, Boris (1974) O fotógrafo ambulante - a história da fotografia nas praças de São Paulo. In Suplemento Literário do Jornal O Estado de São Paulo, 24/11/1974, p.05.

6 de janeiro de 2012

o dezembro antes dos 30

No último dia 29 de Dezembro eu completei 29 anos de idade. Aos 29 anos, eu estou consideravelmente longe de onde nasci – sobretudo geograficamente. Quando eu penso no caminho que venho percorrendo, lembro-me de duas frases marcantes que num momento decisivo da minha vida fizeram muito sentido. Até mesmo porque era uma fase na qual alguma coisa precisava fazer sentido.
A primeira frase me veio, creio eu, em 1998, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso disse em um discurso que somente a educação seria capaz de mudar o futuro do Brasil. O que seria bom para uma nação, pensei, também deveria ser bom para mim. Não quero discutir o que este ex-presidente fez pela educação do país, mas esta frase caiu sobre mim como um avante: corre Forrest!
Então, a partir daí eu comecei a correr, sem saber onde eu iria parar.
Uns anos depois, em 2000, eu preparava-me para o exame vestibular e meus esforços se dispersavam em meio a  obstáculos que se colocavam no percurso de minha corrida. Neste período, uma pessoa muito próxima a mim, mas que morava a cerca de mil quilômetros de distância, disse-me numa correspondência, via correio postal, na qual respondia a algumas de minhas angústias, para que eu, naquele momento, focasse a minha atenção nos estudos, pois assim eu iria adquirir algo que ninguém poderia me tirar: conhecimento.
E foi o que eu fiz, porque aquilo me parecia mesmo fazer sentido. Naquele ano eu fui aprovada no vestibular da Universidade Federal de Goiás para o curso de Geografia. Não foi uma conquista excepcional, mas com certeza a partir dali eu poderia adquirir aquilo que ninguém poderia me tirar.
Eu continuei correndo.
Durante os anos da Geografia e em meio a leituras e conhecimentos realmente enriquecedores e transformadores, obtive outra conquista, que percebi ser fundamental e que também ninguém poderia me tirar: amigos.
Foi na Geografia que eu aprendi também que as fronteiras não são limites, são na verdade zonas porosas, feitas para serem trespassadas. As fronteiras cruzam os caminhos.
Gostei tanto desta idéia que resolvi cruzar uma fronteira. Tornei-me desertora e mudei de curso. Da Geografia fui para a Comunicação Social.
Continuei correndo. Estudei Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Entre outras coisas, lá eu aprendi a vender talheres a quem não tem nem mesmo o que comer. Mas como antes, nos tempos da Geografia, eu já havia aprendido, com as leituras de Marx, que a fome do homem que come com garfo e faca não é a mesma do homem que come com as mãos, eu desisti de usar a minha retórica para vender prata.
Aprendi também que sorrir não dói. Ganhei mais amigos. Continuei correndo.
Neste novo percurso, percebi que já não bastava apenas adquirir conhecimento, era hora de trocar, de compartilhar, de contribuir. Estudar numa Universidade Federal para mim implicava retribuir, de alguma forma, o investimento que todos os brasileiros fazem na educação quando pagam os seus impostos, mas que poucos recebem de volta. Resolvi cursar um mestrado em Cultura Visual. Mais uma vez, o conceito de fronteira me foi caro. Entendi que a fronteira não é apenas um lugar de transição, é também um não-lugar onde inclusive é possível fixar-se.
Com a minha dissertação de mestrado, eu ampliei a minha visão de mundo. Tanto que me doíam os olhos e a cabeça. Foi uma desconstrução brutal de perspectiva. Eu jamais poderia ver novamente o mundo com os mesmos olhos. O conhecimento tem destas coisas.
Eu quis correr mais.
Durante o mestrado, comecei a lecionar. Lembro-me perfeitamente do frio na barriga que me acompanhou pelos 17 quilômetros que me levavam da minha casa à universidade. Posso sentir até hoje o rubor ardente das minhas bochechas, quando ao final da tarde, eu disse “até a próxima aula” e saí da sala. Até hoje não sei se era alívio por ter terminado ou por ter conseguido chegar ao fim.
Enquanto decorreu o mestrado, eu corria dando aulas e me dividindo entre outras tarefas. Depois do fim do mestrado, eu corri. Voei. Atravessei um oceano.
Estudo atualmente para desenvolver a minha tese de doutorado em Ciências da Comunicação. Estou em Portugal, na Universidade do Minho. Não estou exatamente onde eu sonhei, mas estou mais longe do que eu imaginei que poderia chegar. Já aprendi muito até aqui. Mas ainda há muito mais para aprender, muito para correr. Há tanto que se eu parar para pensar o quanto ainda há, eu estanco.
Afinal, aquele amigo, hoje ainda mais distante, tinha razão. O ex-presidente, nisso, também tinha razão. Nada poderia ter transformado a minha vida, em pouco mais de dez anos, como a educação transformou. Nem dinheiro! Espero que o Brasil ainda tenha tal sorte. É desolador ver que ter acesso à educação de qualidade no nosso país é ainda tão difícil. É ainda um desafio que para vencer não basta correr, há que superar muitos obstáculos. Infelizmente, há quem não tenha pernas, há quem não tenha forças. Quanto a mim, enquanto tiver pernas, vou voar.
E como dizia um reclame qualquer, a minha vida me trouxe até aqui. Tudo de bom e de mau que vivi me fez ser quem eu sou. Eu poderia ser melhor? Certamente. Mas quero seguir pensando que fiz o que pude.
Hoje, estou longe de (quase) todo mundo que amo. Mas estou feliz por estar onde estou, e estou feliz por poder compartilhar a minha vida com vocês. Obrigada!




Aline Soares Lima
Aos 29.
Quase 30. Já!
É, os dias correm, mas os anos... Ah, esses voam!