A
divisão em pares contrários que Parménides forja do mundo, IV séculos a.C, parece
estar na origem do maniqueísmo e dos dualismos que dominam, no geral e em boa
medida, o nosso modo de pensar e medir as coisas. E, por consequência, o nosso
modo de ser e estar no mundo.
Seguindo
a lógica do pensamento de Parménides, um dos pólos de um par « é » e o
outro « não é »,
estabelecendo uma oposição entre o positivo que « é » e o negativo que « não é » e que
só existe enquanto ausência do ser. Ou seja, o negativo é a ausência do
positivo. A escuridão é a ausência da luz. A luz é o positivo, a escuridão é o
negativo.
Não
quero discutir propriamente a filosofia de Parménides. Fiz tal referência
porque este pensamento é apresentado no livro “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera, e esta leitura me inquietou
a pensar mais sobre o par « leveza e peso ».
Para
Parménides, a leveza é positiva e o peso é negativo, mas este par funda um
paradoxo desconcertante. Se o peso, ao esvaziar-se, torna-se positivo, a leveza, quando
transforma-se em ausência, torna-se pesada. Ou seja, a passagem do peso à leveza é a transformação do negativo em positivo.
Qual
é o paradoxo? A questão aqui, para mim, é que passamos com mais frequência da leveza para o
peso, ou do positivo para o negativo, do que do peso para leveza, porque esse
parece ser o caminho que nos cabe, como se tivéssemos feito uma inversão dos
pólos. Nascemos leves, mas o tal « es muss sein » da vida, ou o « tem de
ser » sobre o qual
nos fala Kundera, não nos deixa flutuar.
Quando
falamos de peso, nos vem à mente um conceito que abarca o que é sólido, duro, denso,
racional, rígido, profundo, difícil, sério. A leveza, levianamente, pode
sugerir o que é fluido, brando, vago, fácil, superficial, irresponsável, simples,
insensato. O peso é contração. A leveza é distensão. Enquanto a gravidade do
peso mantém os nossos pés no chão, a leveza nos leva ao aluamento.
Por
isso, passar (o amor, o trabalho ou a vida) da leveza ao peso nos parece ser
positivo. É como elevar o status. Mas, um relacionamento sério não soa como algo pesado? Uma vida dura, não é pesada? Um sentimento profundo não parece nos puxar
para o fundo de um abismo qualquer? E um pensamento denso, não pesa como a
incompreensão?
Seguir
a via do negativo ao positivo é livrar-se do peso. Mas como bem nos mostra Kundera, o fluxo inverso é também recorrente. Do positivo para o negativo, do leve para o pesado.
A oposição « positivo-negativo » nos conduz à oposição « bom-mau
». Positivo
é bom, negativo é mau. A leveza é boa, o peso é mau. Mas ao que somos arrastados na nossa vida cotidiana? Ao aluamento da leveza ou ao peso que finca os nossos
pés no chão?
Ítalo Calvino,
com o seu “Visconde Partido ao Meio” nos sugere que ser plenamente bom é uma
condição humana tão insustentável e insuportável quanto ser plenamente mau.
Aqui,
igualmente, não se trata de escolher entre o peso e a leveza, mas sim de
enfrentar um embate contínuo que nos compele ao peso, para, em vez de afundar-se ou flutuar, levitar.